quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Dilemas e perspectivas da reforma agrária no Brasil


SIMPOSIO REG-12: “Las distintas modalidades de desarrollo de los pequeños y medianos productores agrícolas en América Latina”.



PONENCIA: “Dilemmas and perspectives for the Agrarian Reform in Brazil”. Danilo Nolasco C. Marinho, Professor, Sociology Department and Research Center on Americas, Universidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil. nolasco@unb.br .

Abstract. The paper analyzes Agrarian Reform policy in Brazil over the last ten years and outlines the perspectives for the next years. Agrarian Reform Policy in Brazil has been only carried out in periods and regions with social conflicts or in response to huge protest movements with reverberation in society. More than four hundred thousand families have been settled over the last years. Social movements of rural workers galvanized public opinion in the last decade and changed demands for material goods into an ideological and political platform. The current Brazilian Government, delivering a left-wing speech, begins to have an increasing difficulty to face up to protest movements. The paper concludes that the current Government is compelled to maintain the same grounds of the Agrarian Policy from the former Government. The limits of the Agrarian Reform policy stem from budget problems, legal problems in the disclaim of land and the government techno-burocratic capability to implement the programs.

Resumo. O trabalho faz uma análise da política de reforma agrária no Brasil nos últimos dez anos e delineia perspectivas para os próximos anos. A política de reforma agrária no Brasil só tem sido implementada de forma significativa em períodos ou regiões de conflitos sociais ou frente a grandes movimentos reivindicatórios com repercussão na sociedade. Mais de quatrocentas mil famílias foram assentadas nos últimos anos. Movimentos sociais de trabalhadores rurais galvanizaram a opinião pública na última década e transformaram demandas por bens materiais em plataforma política ideológica. O atual governo brasileiro, com discurso político de esquerda, começa a ter crescente dificuldades para enfrentar os movimentos reivindicatórios. O trabalho conclui, que o governo atual, será compelido a manter os fundamentos da política de reforma agrária do governo anterior e que, os limites da política de reforma agrária, decorrem de problemas orçamentários, de problemas jurídicos na desapropriação de terras e da capacidade do aparato técnico-burocrático governamental de implementar os programas.




A REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL: DILEMAS E PERSPECTIVAS



            A questão agrária, problema histórico da sociedade brasileira,  inicia o século XXI com impasses a serem enfrentados. Muitas foram as legislações e investidas políticas para um modelo de reforma agrária  que atendesse aos interesses da população rural brasileira. As análises da realidade rural brasileira foram sempre contaminadas por interesses econômicos classistas ou por perspectivas ideológicas sectárias que produziram  ou interpretações simplistas, que propugnavam soluções tipo “passe de mágica”, ou revolucionárias, que aspiravam a mudança da ordem política vigente. Outra característica das análises da questão agrária é a separação da questão agrária da questão agrícola. Política agrária é demanda da esquerda, política agrícola é demanda da direita. Esta visão esquizofrênica perdura, como se as ações de política agrícola não interessassem aos beneficiários da reforma agrária.
            O meio rural/agrícola brasileiro possui importância notável. O Brasil possui uma das maiores áreas agricultáveis do mundo; é o país que possui o maior potencial de expansão da fronteira agrícola; está entre os maiores produtores mundiais dos principais produtos agropecuários; a exportação de produtos agrícolas e seus derivados representa parcela importante da balança comercial; a população rural concentra quase 50 milhões de pessoas, sendo que cerca de 30 milhões de pessoas compõem a população economicamente ativa no campo. Ao lado de tecnologias e práticas tradicionais e ultrapassadas, o País apresenta um perfil tecnológico de última geração em termos de exploração agropecuária, sendo pioneiro em avanços tecnológicos para regiões tropicais. Além disso, está ocorrendo um processo de reestruturação produtiva intenso e regido pelo mercado globalizado, que redefine suas características econômicas e sociais.
            Por outro lado, o Brasil é um dos maiores países do mundo em concentração da propriedade da terra o que tem provocado, nos últimos anos, crescimento dos movimentos sociais das populações rurais sem terra e de produtores familiares empobrecidos. Exacerbados pela reestruturação produtiva em andamento, tais grupos rurais acabam engrossando as fileiras do desemprego e subemprego urbano e rural, além de comporem, em grande proporção, um quadro social que apresenta baixo nível de escolaridade, problemas endêmicos de saúde e insuficiente acesso aos bens e serviços, ou seja, índices generalizados de pobreza e miséria.
As políticas governamentais para enfrentar a questão agrária só têm sido efetivadas, em geral, em períodos ou regiões de tensão ou conflitos ou frente a grandes movimentos reivindicatórios com repercussão na sociedade. As políticas de reforma agrária são justificadas ora em uma perspectiva de política social para diminuir tensão e conflitos sociais, diminuir as injustiças quanto ao acesso à terra, evitar o êxodo rural intenso e garantir a sobrevivência física dos assentados pela produção agrícola de subsistência; ora em uma perspectiva de política econômica no sentido de aumentar a produção de gêneros alimentícios. A reforma agrária como política social é que obteve relativo sucesso, principalmente nos últimos anos, tendo em vista o grande número de famílias assentadas e a quantidade de área incorporada. Entretanto, o sucesso de um programa de reforma agrária não pode ser medido somente a partir  das realizações em termos de áreas desapropriadas e do número de famílias assentadas.
O que é visto pela sociedade na cena agrária brasileira são as ações dos movimentos sociais e dentre estes, particularmente, as do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). O MST tem sido um protagonista fundamental na história recente da reforma agrária no Brasil e, atualmente, se configura, principalmente, como um movimento de assentados em assentamentos de reforma agrária.
Uma conseqüência da implementação da política de reforma agrária é que, quanto mais se assenta, mais se fortalece os movimentos reivindicatórios dos assentados, que aumentam em quantidade e organizam suas demandas. Embora o discurso para o público externo enfatize a necessidade de criação de novos assentamentos e a incorporação de novos assentados, o principal fator de mobilização nos assentamentos são reivindicações de créditos, de infraestrutura e de benefícios variados. Nesse ponto se localiza uma característica do MST, a transformação de demandas materiais de bem estar em um discurso político-ideológico.
Um grande mérito do MST foi mobilizar um setor da sociedade que é de difícil mobilização, uma parcela da sociedade que está nos limites da privação e da exclusão. Nos assentamentos que tem presença, faz o que o Estado não tem condições de fazer, que é promover a ressocialização dos beneficiados pela reforma agrária. A ressocialização, a reeducação plena da pessoa para sua nova circunstância social e histórica, exige um envolvimento muito intenso dos que estão sendo ressocializados, e muito intenso dos agentes de ressocialização, coisa difícil para os funcionários do Estado, os funcionários públicos. É lamentável que haja tantas dificuldades para que MST e o Estado se completem nesse papel de transformação social. O pressuposto político ideológico de MST, desloca sua referência social e política para o âmbito da contestação do Estado vigente .
José de Souza Martins (MARTINS, 2000), insuspeito estudioso da história agrária brasileira, considera que a experiência de “reentrar” na sociedade através de um assentamento, que é um instrumento da ordem do Estado, ainda que com progresso, e, por meio dele, de um compromisso com essa ordem, muda substancialmente a situação social desses atores e reorienta suas condutas e suas expectativas. O período de luta social, dos movimentos coletivos capturados por grupos de orientação ideológica, é uma espécie de intervalo temporário na vida dos trabalhadores envolvidos. Uma espécie de colocação entre parênteses dos valores e aspirações que lhes são mais caros. Desta forma, as mobilizações de assentados, com exceção da direção política do movimento, se dão em função de demandas materiais objetivas. Essa situação contradiz com a retórica revolucionária do MST, que concentra sua pedagogia política na idéia maniqueísta de que a luta pela terra é uma luta entre o bem o mal, em que o Estado, e suas instituições, também é inimigo.
Existem mitos e falácias a respeito da reforma agrária no Brasil. Provavelmente o mais freqüente é que o País tem muita terra disponível e, portanto, basta distribuí-las para atender a toda a demanda. Quando se observa o mapa do Brasil, verifica-se um imenso vazio de ocupação humana no Centro-Oeste e no Norte. O problema é que são terras sem acesso ou inadequadas para agropecuária. Terras que possuem acesso a estradas, eventualmente energia elétrica e proximidade a mercados consumidores, têm dono. Ou seja, mesmo que improdutivas, necessitam ser desapropriadas para efeito de reforma agrária. O que significa, ser compradas pelo poder público. O Governo Militar tentou colonizar áreas amazônicas com agricultores familiares, a maioria abandonou seus assentamentos. Foi uma maldade coloca-los naquela situação, nas terras amazônicas é necessário “pular de paraquedas” para acessá-las. Outra falácia, basta vontade política para fazer reforma agrária. Sim, é necessário vontade política e muitas outras coisas. Os limites de uma reforma agrária em grande escala decorrem de problemas orçamentários, de problemas jurídicos e da capacidade do aparato técnico-burocrático governamental em implementar e assistir a reforma agrária.
O atual governo brasileiro, do presidente Luís Inácio Lula da Silva, de um partido político de tradição de esquerda, sempre teve um discurso a favor de uma ampla reforma agrária. Uma vez no poder, as dificuldades práticas para implementar a reforma agrária pretendida se evidenciaram. As dificuldades decorrem de recursos orçamentários escassos, arduamente disputados por outras demandas, limitada capacidade do aparato governamental para conceber e implementar os programas e os problemas jurídicos relacionados com as desapropriações de terras, antagônicos com um sistema capitalista que enaltece os direitos de posse. As limitações orçamentárias talvez tenham sido o fator limitante principal. O resultado foi uma performance do governo, em termos de número de famílias efetivamente assentadas em 2003, abaixo da média do governo anterior, considerado neo-liberal (tabela 1). As projeções para o segundo ano de governo Lula da Silva, quanto à reforma agrária, também não são animadoras. Os fatores limitantes continuam em efeito, apesar da retórica reivindicativa dos movimentos sociais a favor da reforma agrária.
Em termos objetivos para a ação governamental, uma questão central para a política de reforma agrária é a necessidade de identificar espaços, a partir do quadro atual do setor agropecuário, nos quais a produção dos assentamentos possa se inserir de modo sustentável. A sustentabilidade, neste caso, significa não só a sobrevivência, mas também a possibilidade de produzir excedentes para investimentos ou, em outras palavras, a instalação de processo de capitalização. A idéia de que a partir de um programa de reforma agrária seja possível multiplicar a geração de empregos no campo tem como pressuposto fundamental o sucesso econômico de seus beneficiários. A viabilidade econômica do assentamento decorre das condições técno-agronômicas de produção e também da adequada inserção no mercado. A maioria dos assentamentos de reforma agrária do País está em condições precárias. Isto serve de argumento para setores reacionários combaterem os aportes financeiros para implementação da reforma agrária.
Existem assentamentos de sucesso no País. O sucesso é explicado pela mobilização dos assentados, pela organização de cooperativas, pela incorporação de tecnologias, pela disponibilidade de capital para custeio e investimento, enfim, pelas possibilidades de inserção na cadeia de produção agropecuária (MARINHO, 1998). Se o Estado não possibilitar as condições para os assentados em projetos de reforma agrária incorporarem um padrão agrário moderno conseguirá apenas retirar parcelas da população da indigência, mas que serão mantidas à margem da economia brasileira. Assim, o dilema brasileiro é como inserir, não só os beneficiários da reforma agrária, mas grande parcela do heterogêneo setor rural brasileiro, nos sistemas agropecuários contemporâneos.
A política de reforma agrária brasileira necessita conviver e incorporar, no diálogo que caracteriza a democracia representativa, os movimentos sociais mais radicais, mesmo os sectários em termos políticos e ideológicos, que se desenvolveram a partir das condições de atraso, de injustiça e de desprezo que governos e elites políticas tiveram em relação a grande parcela da população rural. Deve prevalecer a idéia de que o populismo, o messianismo ou o ativismo revolucionário não resolverão o problema agrário brasileiro, pelo contrário, poderão agravá-lo, prejudicando a economia e comprometendo o desenvolvimento do País, além de trazer o risco de tragédias indesejáveis.


BIBLIOGRAFIA.

MARTINS, José de Souza. Reforma Agrária: o impossível diálogo. São Paulo, EDUSP, 2000. ISBN 85-314-0591-2
MARINHO, Danilo N.C; SCHMIDT, Benício.V.; ROSA, Sueli.L.C. Os Assentamentos de Reforma Agrária no Brasil. Brasília, Editora UnB, 1998. ISBN 85-230-0517-X

domingo, 4 de março de 2012

Questões sobre o documentário "A Terra".


Questões sobre o documentário “A Terra”

1.      O documentário pode ser considerado como uma perspectiva geral da questão agrária brasileira? Justifique.

2.      Que tipo de atores sociais podem ser identificados no documentário?

3.      A situação de conflito agrário do estado do Pará pode generalizada para outras partes do Brasil?

4.      A reforma agrária é um instrumento para diminuir ou acabar com os conflitos agrários no Brasil? Justifique.

5.      Quem é mostrado de forma mais positiva (com simpatia) no documentário, qual seria a motivação?

Agricultura nos EUA





Colheita de soja no Meio-Oeste dos EUA: agricultores americanos levarão para casa mais de US$ 100 bilhões em 2011



O que torna Dakota do Norte, Nebraska e Dakota do Sul diferentes do resto dos Estados Unidos?

A primeira diferença é que os três Estados possuem os menores índices de desemprego do país: 3,5%, 4,2% e 4,5%, respectivamente, comparados à média nacional de 9% em outubro. A segunda grande diferença é a agricultura. A atividade rural tem maior participação no Produto Interno Bruto (PIB) desses Estados do que nos outros. Enquanto a média nacional é inferior a 1,5%, o percentual chega a 10,9% em Dakota do Norte, a 9,4% em Dakota do Sul e a 6,9% em Nebraska.

Ter um setor agrícola com grande peso era uma maldição nos anos 80 e 90. Hoje, é bênção.

O Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) informou recentemente que o valor agregado líquido da agricultura na economia do país (ajustado pela inflação) deste ano será o maior desde 1974. E esse bom momento deverá ser prorrogado. Números oficiais mostram que em 2011, pela primeira vez, os agricultores dos EUA levarão para casa mais de US$ 100 bilhões em um único ano.

Nas palavras do secretário da Agricultura do país, Tom Vilsack, a "agricultura continua a ser um ponto luminoso" em meio à economia dos EUA. De fato, a atividade rural é um dos poucos destaques, ao lado da produção de recursos naturais, especialmente o petróleo.

O bom momento agrícola também levou o setor de agronegócios dos EUA, pela primeira vez em muitos anos, de volta aos radares dos maiores investidores. Empresas do setor, desde a Deere & Co., maior fabricante mundial de tratores e colheitadeiras, até a Monsanto, produtora de sementes e pesticidas, passando pela Cargill, maior comercializadora de commodities agrícolas do mundo, beneficiaram-se. Paralelamente, o preço das terras cultiváveis nos Estados agrícolas - atualmente outro investimento de grande procura - avançou, com valorizações anuais superiores a 25%.

O USDA indica que o setor agrícola do país caminha para ter outro bom ano em 2012, o que estenderia o boom para seu quinto ano consecutivo. Nos últimos dez anos, a receita agrícola líquida quase dobrou, como resultado da expansão da produção de commodities agrícolas nos Estados Unidos - especialmente o milho - e da elevação dos preços a seus maiores patamares históricos.

Em 2001, os agricultores do país levaram para casa pouco mais de US$ 50 bilhões; neste ano, o USDA estima que ganharão US$ 100,9 bilhões, 28% a mais do que em 2010. Paralelamente, os subsídios concedidos pelo governo americano deverão cair para US$ 10,6 bilhões neste ano, 1,4% a menos do que em 2010.

Esse aumento na receita é resultado de uma rara onda de alta nas commodities. Nos últimos 30 anos, os preços dos alimentos subiram brevemente e em poucas ocasiões. A maioria das vezes, as elevações foram registradas isoladamente em algumas commodities - trigo, milho ou soja. A tendência de alta que ganhou fôlego em meados do ano passado e beneficiou esta safra 2011/12, porém, abrange quase todas as commodities agrícolas ao mesmo tempo, fenômeno que não se via desde o biênio 1973-1974.

As altas têm raízes na forte demanda por matérias-primas nos países em desenvolvimento, particularmente China e Índia, no grande apetite da indústria de biocombustíveis dos EUA e nas interrupções nas exportações e produção de vários produtores-chave, da Rússia até a Austrália.

Há nuvens no horizonte, no entanto. Houve forte aumento nas despesas, com os fertilizantes, em alta de 18% nos últimos 12 meses, e os combustíveis, de 27%. De modo geral, os custos de produção subirão 12%, para o recorde de US$ 320 bilhões. A elevação neste ano assemelha-se ao preocupante aumento nas despesas verificado em 2007 e 2008.

Outro fator é que a tendência pode estar chegando naturalmente a seu fim. A atual sequência de vários anos de preços altos é uma anomalia. Historicamente, a produção de commodities agrícolas acaba superando a demanda, o que desencadeia um período prolongado de preços baixos. Ainda está por ver-se se a continuidade do ímpeto da demanda será suficiente para contrabalançar a tendência natural dos agricultores a exagerar na dose da produção. No meio tempo, Dakota do Norte, Nebraska e Dakota do Sul continuarão diferentes.


quinta-feira, 1 de março de 2012

Heveicultura

10 de janeiro de 2012 | 3h 06

Xico Graziano, agrônomo, foi secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. E-mail: xicograziano@terra.com.br - O Estado de S.Paulo

É muito interessante a história da borracha no Brasil. Descoberta nas árvores da Amazônia, sua exploração originou, há cerca de 150 anos, um extraordinário ciclo de riqueza no Norte do País. Ganhou o mundo, mas, curiosamente, abandonou seu passado. Hoje a borracha ostenta sua glória na Ásia.

Tailândia, Indonésia e Malásia, somadas, produzem 72% da borracha explorada mundialmente, ranking em que o Brasil ocupa o distante 9.º lugar. Por incrível que pareça, a terra natal da Hevea brasiliensis compra do estrangeiro dois terços da borracha natural que consome, utilizada nos pneus e demais bens fabricados com a utilíssima seiva.

Durou pouco, meio século, o ciclo econômico da borracha no Brasil, com apogeu em 1910. Nesse ano, 40% da receita cambial brasileira teve origem no látex embarcado, o mesmo patamar das exportações de café. Incrível. Daí em diante, todavia, entrou em cena a produção asiática, derrubando o monopólio dos preços internacionais. Chegou o declínio. Passada uma década, as vendas brasileiras significavam apenas 15% da oferta mundial.

Essa queda carrega um exemplo daquilo que se denomina modernamente biopirataria. Começou em 1876, quando os ingleses, capitaneados por Henry Wickman, levaram milhares de sementes de seringueira para o Jardim Botânico de Londres. Ali receberam a atenção do melhoramento genético, gerando variedades mais produtivas, levadas posteriormente para as colônias inglesas na Ásia, inicialmente Ceilão e Cingapura.

Ninguém esperava o golpe. Na febre da exploração dos seringais nativos do Amazonas, enquanto a Cia. Lírica Italiana encenava, em 7 de janeiro de 1897, a avant-première de La Gioconda, ópera de Amilcare Ponchielli, inaugurando a sala de espetáculos do magnífico teatro de Manaus, o maior patrimônio cultural e arquitetônico do ciclo nacional da borracha, os espertos ingleses avançavam no desenvolvimento da heveicultura, baseada em plantios racionais da nobre árvore. Um show de competência agronômica.

Décadas depois, possivelmente inspirado nesse sucesso inglês, um ambicioso empresário norte-americano protagonizou, ao contrário, um redundante fracasso. Henry Ford, líder na fabricação de automóveis, imaginou produzir, sozinho, metade da borracha consumida no mundo da época. Comprou 1 milhão de hectares de terras no Pará e mandou construir, no final da década de 1920, uma cidade - a Fordlândia - para comandar seu empreendimento. Deu tudo errado.

Uma doença, chamada mal-das-folhas, se esconde por trás do infortúnio da Fordlândia na Amazônia e, ao mesmo tempo, explica a vantagem da heveicultura asiática. Existente somente na umidade da Amazônia, o fungo Microcyclus ulei ataca as folhas jovens da seringueira, derrubando-as, reduzindo a capacidade fotossintética da árvore. Chega a matar a planta.

Na floresta nativa, o mal-das-folhas se controla pelo equilíbrio natural das espécies, facilitado pela rala dispersão das grandes árvores no território. Nas lavouras homogêneas, entretanto, sua fácil disseminação se mostrou devastadora. Isso mesmo. Um fungo derrotou o magnata da Ford. Por outro lado, distantes do terrível inimigo que povoa a Hileia, os plantios asiáticos prosperaram.

A troca do ecossistema de produção explica também a supremacia paulista na heveicultura nacional. Com quase 80 mil hectares plantados, São Paulo ultrapassa metade da produção interna de borracha. Poucos sabem disso. Nas lavouras da região de São José do Rio Preto, onde se concentra a produção paulista, a produtividade média supera em até 40 vezes os projetos extrativistas da Amazônia. Resultado: dos seringais que imortalizaram Chico Mendes chega ao mercado abaixo de 3% das 130 mil toneladas de borracha produzidas no Brasil. Vitória da moderna agronomia sobre a coleta florestal.

Muita coisa se transformou desde que o inglês Joseph Priestley descobriu, em 1770, que aquela goma utilizada pelos indígenas amazônicos servia para limpar a escrita a lápis, apelidando-a de "borracha" (rubber). Mas foi Charles Goodyear, em 1838, que descobriu a vulcanização, processo que acrescenta enxofre ao látex, fazendo-o trocar a viscosidade pela elasticidade. Nascia o pneu.

Uma curiosa disputa permeia essa história. Na 2.ª Guerra, após o ataque aos norte-americanos em Pearl Harbor, os japoneses tomaram a Malásia e as Índias Orientais holandesas, passando a controlar o suprimento mundial de borracha. Virou uma "guerra da borracha" entre as duas potências. Os norte-americanos, visando a reduzir o desgaste dos pneus e economizar borracha, inventaram uma lei que limitava a velocidade dos carros nas estradas a 35 milhas (56,3 km) por hora. Pouco funcionou. Surgiu, assim, a borracha sintética, derivada do petróleo, que ocupa hoje 56% do mercado.

Os produtores brasileiros de borracha iniciam 2012 satisfeitos. O ano passado apresentou-lhes ótimos preços. A forte demanda fez recuarem os estoques mundiais. E na economia de baixo carbono a borracha sintética perde moral para o látex natural.

Crescem as florestas plantadas com seringueira, expandindo-se também para Mato Grosso do Sul e, menos, Minas Gerais. Típica de pequenos produtores, geradora de bons empregos e garantida renda, a moderna heveicultura em nada se assemelha àquela época em que as óperas encantavam a burguesia na Amazônia, levando o governo brasileiro a comprar o Acre (1903) e delirar com a construção de uma ferrovia - a Madeira-Mamoré - cujo malogro se tornou um vexame escondido da engenharia nacional.

Moral da história: a opulência espanta o progresso sustentável. E a tecnologia chama a virtude. Na borracha se encontra boa prova disso.