quarta-feira, 29 de setembro de 2010

“Dilemmas and perspectives for the Agrarian Reform in Brazil”

SIMPOSIO REG-12: “Las distintas modalidades de desarrollo de los pequeños y medianos productores agrícolas en América Latina”.

PONENCIA: “Dilemmas and perspectives for the Agrarian Reform in Brazil”. Danilo Nolasco C. Marinho, Professor, Sociology Department and Research Center on Americas, Universidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil. nolasco@unb.br .

Abstract. The paper analyzes Agrarian Reform policy in Brazil over the last ten years and outlines the perspectives for the next years. Agrarian Reform Policy in Brazil has been only carried out in periods and regions with social conflicts or in response to huge protest movements with reverberation in society. More than four hundred thousand families have been settled over the last years. Social movements of rural workers galvanized public opinion in the last decade and changed demands for material goods into an ideological and political platform. The current Brazilian Government, delivering a left-wing speech, begins to have an increasing difficulty to face up to protest movements. The paper concludes that the current Government is compelled to maintain the same grounds of the Agrarian Policy from the former Government. The limits of the Agrarian Reform policy stem from budget problems, legal problems in the disclaim of land and the government techno-burocratic capability to implement the programs.

Resumo. O trabalho faz uma análise da política de reforma agrária no Brasil nos últimos dez anos e delineia perspectivas para os próximos anos. A política de reforma agrária no Brasil só tem sido implementada de forma significativa em períodos ou regiões de conflitos

sociais ou frente a grandes movimentos reivindicatórios com repercussão na sociedade. Mais de quatrocentas mil famílias foram assentadas nos últimos anos. Movimentos sociais de trabalhadores rurais galvanizaram a opinião pública na última década e transformaram demandas por bens materiais em plataforma política ideológica. O atual governo brasileiro, com discurso político de esquerda, começa a ter crescente dificuldades para enfrentar os movimentos reivindicatórios. O trabalho conclui, que o governo atual, será compelido a manter os fundamentos da política de reforma agrária do governo anterior e que, os limites da política de reforma agrária, decorrem de problemas orçamentários, de problemas jurídicos na desapropriação de terras e da capacidade do aparato técnico-burocrático governamental de implementar os programas.


A REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL: DILEMAS E PERSPECTIVAS
A questão agrária, problema histórico da sociedade brasileira, inicia o século XXI com impasses a serem enfrentados. Muitas foram as legislações e investidas políticas para um modelo de reforma agrária que atendesse aos interesses da população rural brasileira. As análises da realidade rural brasileira foram sempre contaminadas por interesses econômicos classistas ou por perspectivas ideológicas sectárias que produziram ou interpretações simplistas, que propugnavam soluções tipo “passe de mágica”, ou revolucionárias, que aspiravam a mudança da ordem política vigente. Outra característica das análises da questão agrária é a separação da questão agrária da questão agrícola. Política agrária é demanda da esquerda, política agrícola é demanda da direita. Esta visão esquizofrênica perdura, como se as ações de política agrícola não interessassem aos beneficiários da reforma agrária.

O meio rural/agrícola brasileiro possui importância notável. O Brasil possui uma das maiores áreas agricultáveis do mundo; é o país que possui o maior potencial de expansão da fronteira agrícola; está entre os maiores produtores mundiais dos principais produtos agropecuários; a exportação de produtos agrícolas e seus derivados representa parcela importante da balança comercial; a população rural concentra quase 50 milhões de pessoas, sendo que cerca de 30 milhões de pessoas compõem a população economicamente ativa no campo. Ao lado de tecnologias e práticas tradicionais e ultrapassadas, o País apresenta um perfil tecnológico de última geração em termos de exploração agropecuária, sendo pioneiro em avanços tecnológicos para regiões tropicais. Além disso, está ocorrendo um processo de reestruturação produtiva intenso e regido pelo mercado globalizado, que redefine suas características econômicas e sociais.

Por outro lado, o Brasil é um dos maiores países do mundo em concentração da propriedade da terra o que tem provocado, nos últimos anos, crescimento dos movimentos sociais das populações rurais sem terra e de produtores familiares empobrecidos. Exacerbados pela reestruturação produtiva em andamento, tais grupos rurais acabam engrossando as fileiras do desemprego e subemprego urbano e rural, além de comporem, em grande proporção, um quadro social que apresenta baixo nível de escolaridade, problemas endêmicos de saúde e insuficiente acesso aos bens e serviços, ou seja, índices generalizados de pobreza e miséria.

As políticas governamentais para enfrentar a questão agrária só têm sido efetivadas, em geral, em períodos ou regiões de tensão ou conflitos ou frente a grandes movimentos reivindicatórios com repercussão na sociedade. As políticas de reforma agrária são justificadas ora em uma perspectiva de política social para diminuir tensão e conflitos sociais, diminuir as injustiças quanto ao acesso à terra, evitar o êxodo rural intenso e garantir a sobrevivência física dos assentados pela produção agrícola de subsistência; ora em uma perspectiva de política econômica no sentido de aumentar a produção de gêneros alimentícios. A reforma agrária como política social é que obteve relativo sucesso, principalmente nos últimos anos, tendo em vista o grande número de famílias assentadas e a quantidade de área incorporada. Entretanto, o sucesso de um programa de reforma agrária não pode ser medido somente a partir das realizações em termos de áreas desapropriadas e do número de famílias assentadas.

O que é visto pela sociedade na cena agrária brasileira são as ações dos movimentos sociais e dentre estes, particularmente, as do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). O MST tem sido um protagonista fundamental na história recente da reforma agrária no Brasil e, atualmente, se configura, principalmente, como um movimento de assentados em assentamentos de reforma agrária.

Uma conseqüência da implementação da política de reforma agrária é que, quanto mais se assenta, mais se fortalece os movimentos reivindicatórios dos assentados, que aumentam em quantidade e organizam suas demandas. Embora o discurso para o público externo enfatize a necessidade de criação de novos assentamentos e a incorporação de novos assentados, o principal fator de mobilização nos assentamentos são reivindicações de créditos, de infraestrutura e de benefícios variados. Nesse ponto se localiza uma característica do MST, a transformação de demandas materiais de bem estar em um discurso político-ideológico.

Um grande mérito do MST foi mobilizar um setor da sociedade que é de difícil mobilização, uma parcela da sociedade que está nos limites da privação e da exclusão. Nos assentamentos que tem presença, faz o que o Estado não tem condições de fazer, que é promover a ressocialização dos beneficiados pela reforma agrária. A ressocialização, a reeducação plena da pessoa para sua nova circunstância social e histórica, exige um envolvimento muito intenso dos que estão sendo ressocializados, e muito intenso dos agentes de ressocialização, coisa difícil para os funcionários do Estado, os funcionários públicos. É lamentável que haja tantas dificuldades para que MST e o Estado se completem nesse papel de transformação social. O pressuposto político ideológico de MST, desloca sua referência social e política para o âmbito da contestação do Estado vigente .

José de Souza Martins (MARTINS, 2000), insuspeito estudioso da história agrária brasileira, considera que a experiência de “reentrar” na sociedade através de um assentamento, que é um instrumento da ordem do Estado, ainda que com progresso, e, por meio dele, de um compromisso com essa ordem, muda substancialmente a situação social desses atores e reorienta suas condutas e suas expectativas. O período de luta social, dos movimentos coletivos capturados por grupos de orientação ideológica, é uma espécie de intervalo temporário na vida dos trabalhadores envolvidos. Uma espécie de colocação entre parênteses dos valores e aspirações que lhes são mais caros. Desta forma, as mobilizações de assentados, com exceção da direção política do movimento, se dão em função de demandas materiais objetivas. Essa situação contradiz com a retórica revolucionária do MST, que concentra sua pedagogia política na idéia maniqueísta de que a luta pela terra é uma luta entre o bem o mal, em que o Estado, e suas instituições, também é inimigo.

Existem mitos e falácias a respeito da reforma agrária no Brasil. Provavelmente o mais freqüente é que o País tem muita terra disponível e, portanto, basta distribuí-las para atender a toda a demanda. Quando se observa o mapa do Brasil, verifica-se um imenso vazio de ocupação humana no Centro-Oeste e no Norte. O problema é que são terras sem acesso ou inadequadas para agropecuária. Terras que possuem acesso a estradas, eventualmente energia elétrica e proximidade a mercados consumidores, têm dono. Ou seja, mesmo que improdutivas, necessitam ser desapropriadas para efeito de reforma agrária. O que significa, ser compradas pelo poder público. O Governo Militar tentou colonizar áreas amazônicas com agricultores familiares, a maioria abandonou seus assentamentos. Foi uma maldade coloca-los naquela situação, nas terras amazônicas é necessário “pular de paraquedas” para acessá-las. Outra falácia, basta vontade política para fazer reforma agrária. Sim, é necessário vontade política e muitas outras coisas. Os limites de uma reforma agrária em grande escala decorrem de problemas orçamentários, de problemas jurídicos e da capacidade do aparato técnico-burocrático governamental em implementar e assistir a reforma agrária.

O atual governo brasileiro, do presidente Luís Inácio Lula da Silva, de um partido político de tradição de esquerda, sempre teve um discurso a favor de uma ampla reforma agrária. Uma vez no poder, as dificuldades práticas para implementar a reforma agrária pretendida se evidenciaram. As dificuldades decorrem de recursos orçamentários escassos, arduamente disputados por outras demandas, limitada capacidade do aparato governamental para conceber e implementar os programas e os problemas jurídicos relacionados com as desapropriações de terras, antagônicos com um sistema capitalista que enaltece os direitos de posse. As limitações orçamentárias talvez tenham sido o fator limitante principal. O resultado foi uma performance do governo, em termos de número de famílias efetivamente assentadas em 2003, abaixo da média do governo anterior, considerado neo-liberal (tabela 1). As projeções para o segundo ano de governo Lula da Silva, quanto à reforma agrária, também não são animadoras. Os fatores limitantes continuam em efeito, apesar da retórica reivindicativa dos movimentos sociais a favor da reforma agrária.

Em termos objetivos para a ação governamental, uma questão central para a política de reforma agrária é a necessidade de identificar espaços, a partir do quadro atual do setor agropecuário, nos quais a produção dos assentamentos possa se inserir de modo sustentável. A sustentabilidade, neste caso, significa não só a sobrevivência, mas também a possibilidade de produzir excedentes para investimentos ou, em outras palavras, a instalação de processo de capitalização. A idéia de que a partir de um programa de reforma agrária seja possível multiplicar a geração de empregos no campo tem como pressuposto fundamental o sucesso econômico de seus beneficiários. A viabilidade econômica do assentamento decorre das condições técno-agronômicas de produção e também da adequada inserção no mercado. A maioria dos assentamentos de reforma agrária do País está em condições precárias. Isto serve de argumento para setores reacionários combaterem os aportes financeiros para implementação da reforma agrária.

Existem assentamentos de sucesso no País. O sucesso é explicado pela mobilização dos assentados, pela organização de cooperativas, pela incorporação de tecnologias, pela disponibilidade de capital para custeio e investimento, enfim, pelas possibilidades de inserção na cadeia de produção agropecuária (MARINHO, 1998). Se o Estado não possibilitar as condições para os assentados em projetos de reforma agrária incorporarem um padrão agrário moderno conseguirá apenas retirar parcelas da população da indigência, mas que serão mantidas à margem da economia brasileira. Assim, o dilema brasileiro é como inserir, não só os beneficiários da reforma agrária, mas grande parcela do heterogêneo setor rural brasileiro, nos sistemas agropecuários contemporâneos.

A política de reforma agrária brasileira necessita conviver e incorporar, no diálogo que caracteriza a democracia representativa, os movimentos sociais mais radicais, mesmo os sectários em termos políticos e ideológicos, que se desenvolveram a partir das condições de atraso, de injustiça e de desprezo que governos e elites políticas tiveram em relação a grande parcela da população rural. Deve prevalecer a idéia de que o populismo, o messianismo ou o ativismo revolucionário não resolverão o problema agrário brasileiro, pelo contrário, poderão agravá-lo, prejudicando a economia e comprometendo o desenvolvimento do País, além de trazer o risco de tragédias indesejáveis.

BIBLIOGRAFIA.
MARTINS, José de Souza. Reforma Agrária: o impossível diálogo. São Paulo, EDUSP, 2000. ISBN 85-314-0591-2

MARINHO, Danilo N.C; SCHMIDT, Benício.V.; ROSA, Sueli.L.C. Os Assentamentos de Reforma Agrária no Brasil. Brasília, Editora UnB, 1998. ISBN 85-230-0517-X